Boleiros pelo mundo: as experiências dos brasileiros que jogam e treinam na África

nascimento 100918O sonho na vida de um jogador brasileiro é fazer sucesso na Europa ou, pelo menos, conseguir uma vaga em um clube de razoável expressão, fazer o pé de meia e garantir o futuro da família, antes de voltar ao Brasil.

Se não der para jogar nos principais mercados europeus, uma passagem pelo famoso “Mundo Árabe”, pelo Japão ou pela China e a vida está ganha. Ninguém vai imaginar em conseguir fama e fortuna na África, por exemplo. Bem, é difícil mesmo. Mas, ainda assim, existem brasileiros que vão tentar sorte no vasto continente africano para jogar o seu futebol, ganhar um salário e ter estabilidade na carreira, algo meio complicado no Brasil.

É o caso do zagueiro Ricardo Nascimento, 31 anos, o único brasileiro atuando no futebol profissional da África do Sul. Desde 2016, ele defende o Mamelodi Sundowns, de Pretória, maior campeão sul-africano com oito títulos. Embora ele admita que o principal motivo que o levou ao time verde amarelo (não à toa conhecido como The Brazilians) foi a possibilidade de disputar o Mundial de Clubes. O resultado, no entanto, não foi o esperado: derrotas para o Kashima Antlers (2 a 0) e Jeonbuk (4 a 1) e um amargo sexto lugar em 2016.

Apesar disso, Ricardo considera a experiência ótima, mas que poderia ter sido melhor. “O time não estava preparado para isso (Mundial), teve jogador que não conseguia dormir. Demoraram uns quatro dias para eles se acostumarem com a competição, então isso prejudicou muito”, lembra.

Após o Mundial, Ricardo seguiu no Mamelodi e conquistou a última edição do campeonato nacional (temporada 2017-2018). Para ele, a África do Sul é um bom lugar para se viver. A maior dificuldade no dia a dia é a língua, há 11 idiomas oficiais no país, incluindo o inglês.

“Não há intérprete, o que deixa tudo mais difícil, mas a gente consegue se virar no dia a dia. Além disso, a língua do futebol é universal, né. Mas no começo passamos alguns apuros. Eu e minha esposa estávamos no hotel com fome e com vontade de comer algo diferente. Daí pedimos a comida e veio um macarrão cheio de pimenta, que não tinha como comer. Mas a fome era tamanha que a gente comia um pouco e bebia água”, conta, aos risos.

O país que recebeu o Mundial de 2010 ainda sofre com a falta de estrutura. E ainda que o salário não seja uma maravilha, há uma vantagem em relação ao país pentacampeão. “Aqui não se paga tão bem assim em comparação a outros lugares, mas se paga em dia e tem uma condição razoável. Porém, a gente percebe que em algumas coisas há uma certa desorganização, eu acredito que aqui tem condição de ser bem melhor”, diz Ricardo, que jogou pouco no Brasil, com passagens pelo Palmeiras B, pelo Rio Branco-SP e São Luís-RS, mas atuou por anos em Portugal, além de uma breve passagem pelo futebol romeno.

“As pessoas me paravam na rua para tirar foto e pedir autógrafo”

Além de valores, a possibilidade de ser reconhecido e fazer sucesso atrai brasileiros para lugares aparentemente inóspitos. Foi o caso do meia Wanderley, 27 anos, que em 2017 jogou por sete meses no Renaissance, do Congo. Lá o maranhense se tornou ídolo de uma torcida apaixonada por futebol e muito alegre, apesar da pobreza e das agruras do cotidiano.

“O que me encantou no povo é como ele acolhe os estrangeiros. O fato deles me acolherem bem tornou mais fácil minha adaptação. As pessoas me paravam na rua para tirar foto e pedir autógrafo, coisas que eu nunca vivi no Brasil, quem vive é só jogador de Série A”, diz Wanderley.

E apesar das adversidades, a torcida lota os estádios no Congo. Wanderley lembra que jogava na capital Kinshasa para públicos de 50 mil, 60 mil, 80 mil pessoas, encantados com um brasileiro em ação nos gramados. Já a qualidade não era lá essas coisas. Um futebol mais pautado pela força física do que pela técnica e com nível bem abaixo em relação a outros países. “Em um torneio que é uma espécie de Sul-Americana deles (Copa das Confederações da CAF), enfrentamos times do Gabão e da Argélia e os últimos eram bem mais difíceis, até pelo dinheiro que têm”, afirma.